Ruídos mapeados
Construtoras apostam na cartografia sonora e em simulações de computador para garantir desempenho acústico de seus projetos
A expansão dos grandes centros urbanos brasileiros tem sido acompanhada do adensamento populacional e do crescimento do fluxo de veículos. O resultado é o aumento dos ruídos gerados em ruas e avenidas, que começam a chamar a atenção de construtoras, preocupadas com o atendimento das exigências da Norma de Desempenho para edifícios habitacionais (NBR 15.575).
Para isso, elas contratam empresas especializadas para fazer o mapeamento sonoro do entorno dos terrenos onde vão construir seus novos empreendimentos. A ideia é levantar dados e realizar simulações que apoiem o desenvolvimento dos projetos e a especificação de soluções, materiais e a especificação de soluções, materiais e sistemas construtivos com melhor desempenho acústico.
O mapa acústico é uma ferramenta fundamental para estudo, diagnóstico e gestão do ambiente sonoro. “Faz-se uma medição de ruído residual no entorno de uma edificação futura ou existente em vários pontos, períodos e dias diferentes por um longo período de tempo”, explica o engenheiro e consultor em acústica José Carlos Giner. O resultado é um conjunto de pontos que apresenta a disposição dos diferentes níveis sonoros em uma determinada área geográfica.
O mapeamento sonoro pode ser realizado em diferentes escalas: pode-se mapear desde pequenos quarteirões até cidades inteiras. Na escala das cidades, ainda não há no Brasil mapeamento executado de maneira sistemática. Segundo o arquiteto Marcos Holtz, existem algumas iniciativas pontuais, como o mapeamento de Copacabana, concebido em um trabalho acadêmico, e a Carta Acústica de Fortaleza, uma iniciativa da Secretaria do Meio Ambiente e Controle Urbano da cidade. “São casos pioneiros e isolados desse tipo de trabalho”, destaca Holtz.
O arquiteto afirma, no entanto, que os mapeamentos localizados, executados para uma implantação específica, já são bem difundidos no meio técnico. “Esses mapas são normalmente utilizados para o projeto acústico e a certificação de edifícios”, acrescenta. Marcelo de Mello Aquilino, físico e pesquisador do Laboratório de Conforto Ambiental e Sustentabilidade dos Edifícios (LCA) do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), concorda com Holtz. “Estamos observando uma crescente preocupação do ramo imobiliário com a questão de conforto ambiental”. “O estudo das características acústicas vem ganhando cada vez mais importância, não somente para cumprir legislações, mas também para oferecer produtos com qualidade para os usuários”, acredita.
Com a divisão da cidade em zonas, nas quais existem limites máximos de ruído permitidos durante o dia e a noite, as construtoras utilizam a cartografia sonora de uma determinada região de interesse para tomar decisões de projeto que garantam o desempenho acústico da edificação.
Quanto ao incremento médio desse estudo no custo do empreendimento, Marcos Holtz diz que existe uma grande dificuldade em prever, pois depende muito do local de implementação. “Grosso modo, pode variar entre 0,5% e 2% do valor da obra”, afirma. Giner acredita que esse custo do mapeamento sonoro é insignificante no montante total do orçamento, mas se considerados os impactos nas decisões sobre os sistemas construtivos especificados no projeto, a obra pode até se viabilizar financeiramente.
O físico e pesquisador Marcelo Aquilino explica que, para elaborar o mapeamento sonoro, os profissionais devem ter conhecimento na área acústica, podendo ser físicos, engenheiros, tecnólogos ou técnicos. “É importante ter habilidade e conhecimento para operar os instrumentos utilizados nas medições, que podem ser simples medidores de nível sonoros ou sistemas mais complexos, como os de intensimetria ou de holografia acústica. Outras ferramentas importantes para o mapeamento sonoro são os softwares de simulação, que permitem estimar o ruído em uma determinada área onde existam fontes sonoras conhecidas”, acrescenta.
Devido à complexidade dos cenários acústicos urbanos, os estudos precisam considerar a participação de várias fontes sonoras e a necessidade de se avaliar inúmeros pontos. Dessa forma, os modelos computacionais se mostram imprescindíveis, uma vez que possibilitam a realização de cálculos, análises e relatórios rápidos e com precisão.
As normas e legislações existentes para a avaliação e regulamentação do cenário da poluição sonora especificam parâmetros a serem medidos e indicam como os equipamentos de medição devem ser configurados e como os fatores envolvidos devem ser manipulados. Os níveis sonoros considerados aceitáveis para ambientes externos são determinados pela NBR 10.151, revista no fim de 2012. Segundo a norma, no controle do ruído, consideram-se o local, o horário e a natureza das atividades emissoras de ruído, de forma que haja a compatibilização do exercício das atividades com a preservação da saúde e do sossego público.
No âmbito das edificações, a NBR 15.575 estipula valores de isolação sonora para garantir o nível de desempenho acústico do edifício. Uma vez mapeado o local onde o edifício será implantado, os projetistas terão subsídios para projetar adequadamente os ambientes, orientando o melhor posicionamento das aberturas e a escolha de materiais que proporcionem isolação acústica adequada. De acordo com Holtz, “as simulações permitem prever os níveis de ruído intenso resultantes das composições de fachada projetadas segundo esses desempenhos, possibilitando ajustes necessários”.
Alto padrão
A construtora responsável pela obra deste edifício residencial de alto padrão na zona Sul de São Paulo contratou um projeto acústico de José Carlos Giner. O objetivo era garantir um padrão elevado de conforto e isolamento acústico em uma região próxima a avenidas movimentadas e a rotas de pousos e decolagens do Aeroporto de Congonhas. O projeto contemplou relatório técnico inicial com as premissas de projeto e análise dos ruídos aéreos e das vibrações de solo transmitidos por via aérea e estrutural, além de consultoria, assessoria e projeto na eliminação desses ruídos e vibrações para áreas internas e externas do condomínio, nos sistemas técnicos de apoio e nos ambientes de recreação.
Diagnósticos e soluções
Entenda como é o processo de mapeamento sonoro dos terrenos e como essas informações apoiam as decisões de projeto.
A partir da análise das principais fontes emissoras de ruídos no entorno, determinam-se o número e a distribuição dos pontos de medição na região de empreendimento, além dos horários e da duração da coleta de dados.
Os dados sobre os níveis de pressão sonora são coletados durante o dia e durante a noite de acordo com o planejamento prévio dos especialistas em acústico. A medição é feita de acordo com procedimentos padronizados, respeitando distâncias mínimas em relação ao solo e a muros próximos, por exemplo.
O medidor de nível sonoro deve estar calibrado e ser protegido com uma espuma para evitar distorções causadas por rajadas de vento momentâneas. Alguns equipamentos também coletam informações sobre as coordenadas geográficas (GPS) e as condições climáticas (velocidade do vento).
As informações são transferidas para o computador e consolidadas em um mapa acústico, que apresenta as curvas isofônicas do local.
Um software de simulação combina os dados do mapa acústico e informações preliminares do projeto de edificação para determinar os impactos das fontes de ruídos no empreendimento.
As informações balizam decisões dos projetos de arquitetura e de sistemas de vedação, como mudança na orientação dos edifícios, tamanho e posição das aberturas, mudanças na planta, especificação de materiais isolantes acústicos, construção de barreiras acústicas etc.