Matéria da Revista Produção Áudio Brasil
Estúdio Dragão
Por Nando Pires
Cada estúdio é um caso único. Essa máxima é sem dúvida velha conhecida dos profissionais de áudio que já circularam por uma boa quantidade de salas de gravação e mixagem ao redor do país. Alguns mais musicais, outros mais sonoros, todos eles têm “aquele ponto” que os tornam especiais. No caso do estúdio Dragão, localizado na Zona Sul de São Paulo, a peculiaridade fica por conta do extremo capricho e preciosismo que geram resultados impressionantes.
Tudo em relação ao estúdio diz respeito às leis da física. Análises de frequência, reverberação, controle de loudness. Algumas coisas, porém podem sobrepujar a simples matemática prática e partir para a obtenção do tão utópico ideal teórico que aparece sempre se distanciar dos aspectos práticos.
Aberto ao “público” desde 2010, o Estúdio Dragão, localizado na Zona Sul de São Paulo, se enquadra neste caso de perseguição de um ideal técnico. Para quem conhece o seu proprietário, o músico e engenheiro Paulo Egídio, não é surpresa que esta seja a votação do estúdio, já que grande parte das soluções minuciosas empregadas na construção das salas partiu do próprio.
Com larga experiência em estúdios domésticos, em função de inúmeras bandas que teve, Egídio acabou aprendendo muito sobre a forma concreta e a incorreta de se fazer as coisas. Desde experiências com tratamento acústico à base de caixas de ovos nas paredes até técnicas avançadas de eletrônica, o músico foi sedimentando os conhecimentos que acabariam sendo colocados à prova para construir seu empreendimento final, o Estúdio Dragão.
A ideia original de construir o estúdio surgiu com a necessidade de gravar um trabalho para um projeto musical autoral, o DVD da banda de rock progressivo Storya (www.storya.com.br). Devido à grande dedicação e investimento (técnico, financeiro, estético, etc), Paulo Egídio acabou por decidir que o estúdio deveria também ser aberto com finalidades comerciais, ainda que com orientação específica. “Não nos envolvemos em projetos que não terão qualidade. No Dragão só fazemos trabalhos que teremos certeza que serão bem acabados, por isso preferimos cobrar pro projeto e não por hora”, explica Egídio.
UM PROJETO DIFERENTE
Para os acostumados com o ambiente de gravação, é sabido que qualquer bom estúdio precisa ter uma sala de captação, tratamento acústico, microfones, consoles, periféricos, interfaces e sistema de monitoração. Obviamente, tudo com alimentação elétrica equilibrada. Interligação por uma rede de cabeamento qualificada, climatização e com profissionais capacitados para o desenvolvimento dos trabalhos. No estúdio Dragão não é diferente, mas cada um destes aspectos ganhou uma peculiaridade.
A primeira necessidade do estúdio foi sua localização. A princípio, o estúdio teria que ser construído a partir do “zero” em uma região residencial com grande trânsito de veículos. Como solução para minimizar as influências de ruído externo quando da captação dos sons dentro do estúdio, bem como possíveis incômodos que porventura instrumentos de grande volume (bateria, amplificadores de baixo e guitarra) poderia ocasionar aos vizinhos, foi adotado um projeto acústico bastante complexo.
A solução chama-se “desacoplamento” e consiste basicamente em construir o prédio de forma que ele não encoste à outras edificações. Para isso é necessário a construção de um alicerce bastante forte, o qual deverá suportar dois prédios, um dentro do outro.
Com duas paredes dois tetos, dois chãos que nunca se encostam, além da instalação de uma tecnologia de molas ou elastômeros para elevar o piso interno sobre o pavimento inferior, evita-se quase que totalmente que os sons produzidos externamente e internamente interajam.
O estúdio foi todo concebido em um prédio externo e cada uma das salas do estúdio não encostam tanto nessa construção externa, quanto entre si, o que produz a dissipação quase total de som produzido em qualquer uma das salas, a fim de não afetar a captação em nenhuma outra. Ou seja, a ideia é que seja possível tocar bateria numa sala, cantar noutra, e gravar ao mesmo tempo dois amplificadores valvulados de guitarra na terceira e quarta salas, sem que os sons emitidos no interior de cada uma delas interfira na outra.
Além dessa peculiar tecnologia na construção, a preocupação com a infraestrutura também tangeu um projeto elétrico com alimentação balanceada e aterramento especialmente projetado para garantir a segurança dos equipamentos e minimizar quaisquer ramming e interferências de rede.
A climatização e a passagem dos dutos de cabeamento também se deram em caracteres específicos, visto que para garantir o “desacoplamento” total das salas, nenhuma tubulação poderia ultrapassar os limites de sua construção, ou seja, interligar as salas que são separadas por vãos. Os dutos do ar condicionado tiveram de ser especialmente construídos no local, utilizando lã de vidro encapada por borracha a fim de não haver a menor propagação das vibrações sonoras de um lugar para outro. O aparelho de ar-condicionado foi colocado a 9 metros de altura, distante de todo o edifício sendo que seu funcionamento só pode ser identificado pela movimentação de uma fita colorida (colocada à frente da saída de ar), pois o ruído sequer pode ser medidos pelos aparelhos disponíveis no mercado.
O interior das salas também recebeu uma atenção especial da mesma empresa que trabalhou o desacoplamento, a Giner. A companhia ficou responsável por construir o tratamento acústico de cada uma das salas visando uma otimização máxima de absorção de ruídos. O resultado, de acordo com Paulo Egídio, é de um desvio de menos de 4 dB.
No fim das contas o estúdio ficou com seis salas, uma delas sendo a técnica, outra bem em frente é a maior sala para captação. Dentro desta existem duas salinhas pequenas (uma em cima da outra) cuja finalidade é a de microfonar amplificadores sem permitir a fuga de seus sons e mais duas salas menores que ficam posicionadas aos lados da maior. De qualquer sala é possível enxergar todas as demais, inclusive a técnica, o que possibilita gravações “ao vivo” com a captação particular de cada canal e instrumento.
EQUIPAMENTOS
Todo técnico sabe que, ao possibilitar gravações de bandas, uma dificuldade bastante conhecida é a de fornecer o retorno desejado para cada músico: O vocalista deseja se ouvir mais alto que os instrumentos, o guitarrista quer sua guitarra um pouco mais evidente e assim por diante. Uma das soluções mais criativas que Paulo Egídio encontrou para sanar essa demanda foi a de sair com oito canais pelos auxiliadores de seu console principal, uma YAMAHA 01v96, e distribuí-los através de cabos enviados para sete pequenos mixers, onde cada música pode equilibrar sua própria via de retorno individualmente.
Já para a captação, sem sombra de dúvida um dos principais pontos quando se fala de estúdios de gravação, a coleção de microfones do estúdio Dragão busca estar a par entre o clássico e o inovador. “Temos algumas coisas além dos “’SM’ da vida”, brinca Egídio, referindo-se aos quase padrões SM 58 e SM 57 da Shure Sistemas Neumann TLM 103, 414 XUI e alguns Matching pairs da AKG, um Áudio Technica 4300, além dos tradicionais Sannheiser MD 421 e os Shure SM 57, 58 e 81 fazem parte da coleção de microfones à disposição das bandas.
Já para a interface do áudio, Egídio optou pela MDTU 2408. De acordo com ele, “Na época, há aproximadamente quatro anos, era o sistema que tinha a melhor relação entre qualidade de entradas e o número de AD/DA”. O sistema possibilita 14 canais analógicos e mais 12 canais digitais, todos In/Out com 96 IdHz.
A plataforma sobre a qual toda a parte digital do estúdio foi desenvolvida é o Windows – Cubase. De acordo com Egídio, que também é profissional de TI, a escolha ficou por conta da capacidade de “conversar” com mais softwares e hardwares que o Windows tem unido à seu preço mais acessível quando comparado à plataforma mais popular de estúdios. “Mac – Pro Tools”. De acordo com Egídio, o investimento total da plataforma, somado aos plug-ins, acabou sendo de R$10.000,00, enquanto que, segundo ele, precisaria de algo em torno de R$60.000,00 para ter os mesmos recursos na plataforma Mac – Pro Tools. Para a monitoração, o Dragão conta com dois sistemas clássicos. O primeiro trata-se de um sismeta Tannoy Elipse, que já vem com um sub-woofer em seu set e respondem até 40 kHz. O segundo sistema fica por conta das famosas Yamaha NS-10. Além dos dois monitores profissionais, o estúdio conta com um par de Speakers de computador padrão, para audição do material mixado para comparação de reprodução em sistemas low-fl.
USABILIDADE
Nos últimos anos tem se tomado cada vez mais comum às companhias do áudio profissional investir em plataformas de controle para sistemas DAW dos estúdios. A cada novo evento de mercado, uma diversa dezena de produtos é lançado buscando atender a grande demanda de estúdios de pequeno, médio e grande porte que precisam de formas ágeis de operar seus softwares. Na concepção do estúdio Dragão, porém, esta oferta era escassa, deixando a mixagem “on the box” uma opção frequente que gerava grande confusão para os mixadores.
Com os canais das gravações se multiplicando (chegando à 40 e 60 canais em uma gravação anual) e os recursos digitais com possibilidades praticamente inesgotáveis, ficava sempre a confusão constante quanto aos canais que se desejava aplicar determinados processos, efeitos e, quais os parâmetros para cada um, tomando esses equívocos muito frequentes e prejudiciais ao desenvolvimento dos trabalhos. Porque ao desregular um canal se criam alguns problemas. Devendo-se regulá-lo novamente para depois realizar os procedimentos necessários no canal correto. Ou seja, dois trabalhos.
Este tópico é sem dúvida, somado a todo projeto de desacoplamento, o segundo grande diferencial do Estúdio Dragão. O objetivo de Paulo Egídio foi o de conseguir a praticidade que os antigos consoles utilizados nas décadas de 1970 e de 1980 detinham, através de seus 20 ou 30 botões por canal (o que resultava normalmente, para se ter uma ideia, em 2400 botões em uma mesa de 80 canais). Segundo Egídio, a vantagem da Interface analógica era a de deixar todos os recursos disponíveis e visíveis o tempo, facilitando a vida dos técnicos.
O primeiro passo nesse sentido foi a aquisição de um controlador de MIDI Behringer BCR 2000, que possui 32 botões e grande compatibilidade com a plataforma utilizada. Mas sua limitação esbarrava na dificuldade de visualizar o que se controlava em cada momento, pois ele não tem um visor dinâmico, de forma que as confusões continuavam.
A solução que Egídio adotou foi a de antecipar cerda de três anos a tecnologia e produzir o que hoje os iPad estão fazendo.
Para isso, o controlador Behringer foi totalmente desmontado, sua “carcaça” foi inutilizada e seus botões foram instalados sobre uma tela de computador, que através de um software criado pelo próprio Paulo, exibia a imagem da Cubase ao dos plugins que se desejava controlar, sincronizando os desenhos dos botões virtuais com as funções e posicionamento dos botões reais.
Mas o sistema não estaria completo se não houvesse uma forma de controlar o mixer 01V96, porque sua forma de apresentação das páginas para todas funções se configuravam em um sistema parecido com as janelas dos computadores, provocando as mesmas confusões já conhecidas.
A forma de conquistar a ao sonhada visualização de todas as funções de console e colocá-las à simples disposição das mãos ocorreu através da implantação de um monitor touch screen. Através de um software produzido por Paulo, a tela sensível ao toque passou a controlar as funções de Pan, Sends, Inserts, Routing, Input, Output e outros botões que também controlam funções de Cubase.
Para fazer esse sistema funcionar em perfeita sincronia com a Cubase, a 01v96, os movimentos físicos dos botões e com a representação gráfica das duas telas (a touch screen e a que ilustra as funções do controlador Behringer), foi necessário implantar um segundo computador inteiramente dedicado à essa finalidade, e a produção do software que gerencia tudo isso só pôde ser realizada através do fornecimento de um sistema que permite o recebimento e o envio de informações para o Cubase, cedido pela própria Steinberg após cansativa troca de e-mails por aproximadamente seis meses.